A grande imprensa têm preconceito contra evangélicos?

Uma pesquisa simples, feita online, sobre menções a religião em títulos de artigos pode responder essa questão.

juliano spyer
3 min readNov 1, 2021
A imagem ao lado é o resultado de uma busca no Google para exibir os resultados por relevância entre 1990 e 2018.

Eu não sou especialista na relação entre mídia e religião. Esse é um tema importante que trata, por exemplo, da relação entre grupos tradicionais como Globo e Folha, e grupos emergentes como a Rede Record. A religião talvez seja o aspecto mais visível dessa disputa, mas existe a concorrência por audiência, por anunciantes e por influência política. Dediquei uma parte do livro Povo de Deus para apresentar alguns dos resultados desses estudos.

Mas compartilhei com os jornalistas durante a conversa a seguinte inquietação: — Aparentemente a religião que mencionada com mais frequência nos títulos de artigos noticiosos é o cristianismo evangélico. E geralmente, quando esse destaque acontece, ele vêm seguido de uma acusação.

De cabeça, me lembro de títulos que falam sobre ataques da terreiros, de evangélicos na política, evangélicos envolvidos com o tráfico, evangélicos que se beneficiam por não pagar impostos. São temas que têm relância jornalística e devem ser reportados, mas identifico dois problemas: usar o termo “evangélicos” de maneira genérica, sendo que existem 62 milhões de evangélicos hoje no país (DataFolha, 2019), e essas menções não indicam estatisticamente a relevância do evento reportado.

Parece ser menos importante mencionar no título a igreja envolvida, e qual o tamanho estatístico desse fato noticiado. Por exemplo, os artigos aparentemente não mencionam: qual a incidência de ataques a terreiros em relação ao total dos terreiros? Eao total das igrejas? Em quais locais isso acontece? Quais são as denominações mais frequentemente envolvidas? Como os pastores de outras denominações percebem esse evento? Quem são os fieis envolvidos no ataque e em que medida a atitude deles é aprovada ou reprovada entre os irmãos e irmãs da mesma igreja?

Paralelamente a essas aparentes imprecisões nas ocasiões em que se noticia algum evento relacionado a evangélicos, nos perguntamos também sobre a ausência da mesma preocupação em relação a outras religiões. Talvez eu esteja enganado, mas a menção a religião em títulos é predominantemente relacionada ao cristianismo evangélico.

Não vejo títulos falando sobre “Católico mata esposa e filhos e se suicida” ou “Ateu é acusado de fazer tráfico de influência na Câmara” ou “Judeu paga propina para a polícia do município tal”. Mas se você buscar pelo Google as notícias publicadas mencionando evangélicos, possivelmente constatará que elas não só são frequentes, mas mencionam a religião como uma espécie de estigma, como se o termo “evangélico” em si significasse alguma coisa ruim.

Eu não fiz este experimento de compilar os resultados de buscas, observar se o conteúdo é positivo, negativo ou neutro, classificá-lo por data e veículo, mas não deve ser difícil realizá-lo utilizando as ferramentas de pesquisa online atuais.

Não vejo outros religiosos reclamando da cobertura jornalística, mas registrei, por exemplo, a fala do pastor João Fonseca da Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro, de novembro 2020, falando durante o culto, sobre uma entrevista sobre o meu livro Povo de Deus publicada pela Folha de São Paulo.

Essa semana passada eu li um artigo. Um Meu irmão aqui da igreja me mandou um link de um artigo na Folha de São Paulo e eu achei interessante porque a Folha entrevistou um doutorando em antropologia chamado Juliano Spyer. […] Achei interessante porque é um artigo que tem um olhar que favorece os evangélicos, que é uma coisa rara na imprensa secular, você sabe disso. Geralmente quando a imprensa secular fala de evangélico, ela fala mal, quase sempre…

Aqui o trecho gravado da fala do pastor João Fonseca:

O livro Povo de Deus argumenta principalmente que existe um preconceito de classe em relação ao evangélico e que isso deve ser revisto pela esquerda porque os cristão evangélicos já representam 1/3 da população brasileira e em dez anos serão o principal grupo religioso do país.

Coincidentemente encontrei uma matéria publicada esses dias na Folha pela jornalista Anna Virginia Balloussier que aponta num rumo diferente, mais interessado, que debate o cristianismo evangélico em vez de atacá-lo. Isso é um bom sinal.

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