Agorinha mesmo eu estava atravessando a Avenida Paulista e descobri que sou médium
Muitas tradições espirituais acreditam na existencia de fantasmas, seres geralmente invisíveis que vagam pelo mundo perdidos.
Nas tradições cristãs, esses fantasmas são em geral feios e em alguns casos aterrorisantes.
Na cidade do interior onde meu pai nasceu dizia-se que o fantasma de uma mulher sem cabeça morava na torre da igreja. E ela saía à noite de braços estendidos pedindo a devolução do filho dela.
Que força tem essa história. Um fantasma que não queria mal a ninguém, apenas encontrar o filho.
Eu tenho medo da mera ideia de dar de frente com um fantasma. E é um sentimento louco porque inclui a possibidade de desse fantasma ser mesmo alguém querido. Uma avó, por exemplo.
Mas isso tudo é besteira. Me refiro ao medo, não aos fantasmas.
Descobri que eu vejo fantasmas andando por São Paulo. E eles geralmente não me assustam.
Na verdade, eu sinto muita pena deles.
Eles são bem parecidos com fantasmas dos filmes. Seres que vagam, em outro mundo paralelo ao nosso, lá e cá ao mesmo tempo, aprisionados.
Vestem mortalhas. Às vezes são tristes e ensimesmados, às vezes são loucos e riem sem motivo aparente, às vezes tem raiva.
Como nos filmes, eles andam junto com a gente nas ruas mas é como se eles não estivessem ali.
Não sei bem quando que fingimos não ver e quando paramos mesmo de ver e eles desaparecem.
Alguns são crianças que andam em pequenos bandos. Exuzinhos traquinas. Já vi também muitos adultos e velhos. E tem também famílias, mas esses estão mais para mortos-vivos do que para fantasmas.
Essas famílias ainda procuram ser vistos. Os outros aceitaram a invisibilidade; eles buscam a gente com o olhar.
Na porta do supermercado outro dia, um me pediu um quilo de sal. Ele tinha uma caixa de engraxar sapatos, era meio gordo e tinha um olhar triste. Eu dei. Mas na semana seguinte tinha outros ali e eu fingi não ver.
Fiquei mais sossegado pensando nisso. A próxima vez que eu estiver sozinho em casa, de noite, e achar que um fantasma pode aparecer, vou me tranquilizar.
Eles geralmente não fazem mal para a gente. Como a mãe do campanário da igreja. É só ignorar que eles somem.