Lula e Ciro falam aos evangélicos pelas redes sociais
Os pré-candidatos de esquerda ensaiam diálogos com a população evangélica. Principal alicerce de Bolsonaro, esse grupo dá a entender nas pesquisas recentes que está aberto para apoiar outros candidatos em 2022.
Eles são um a cada três brasileiros. Serão o principal grupo religioso do país em 10 anos. São diversos do ponto de vista teológico, predominantemente pretos ou pardos, mas pouco conhecidos pelas camadas mais escolarizados. São confundidos com os líderes de suas igrejas e os representantes eleitos da chamada bancada evangélica. Mas na eleição de 2018 eles decidiram a eleição em favor de Jair Bolsonaro. E agora que a popularidade do ex-capitão está em queda, presidenciáveis, especialmente da esquerda, ensaiam e testam formatos e narrativas para se aproximar dos evangélicos que rejeitam Bolsonaro.
Ciro e Lula fizeram disparos na semana passada falando sobre religião. O pré-candidato do PDT escolheu um meio mais popular e usado amplamente entre os brasileiros mais pobres: o vídeo. Lula publicou aquilo que é chamado de “textão”, uma mensagem em texto longa, característica da militância intelectualizada da esquerda — aqui no Facebook e no Twitter. Mas se Ciro acertou no meio, Lula foi mais feliz no tom.
Lula “pentecostal”, Ciro “presbiteriano”
Quem já teve a oportunidade de assistir Lula discursando ao vivo e uma pregação pentecostal, encontrará mais do que uma semelhança vaga entre os dois. Evangélicos e o movimento sindicalista do ABC emergiram na mesma época, nas mesmas periferias e com a mesma população de trabalhadores rurais que migraram para as grandes cidades. Lula fala de maneira simples e geralmente emocionada, não esconde sua fé de origem popular, — alinhado também com a população evangélica majoritariamente pobre — fala sobre dignidade humana pela promoção da prosperidade.
Ciro Gomes também falou sobre religião, mas escolheu para tema a importância do estado laico. Gravou em uma igreja católica, usou trilha sonora melancólica e falou em tom erudito e sofisticado que lembra o dos pastores presbiterianos ou batistas. O assunto e o tom do vídeo de Ciro provavelmente agradaram evangélicos de classe média, que entendem a referência histórica à Guerra de Canudos. Mas para chegar ao povão faltou a Ciro a “eletricidade” do ambiente pentecostal, que resulta daquilo que o historiador e teólogo inglês Alec Ryrie chamou de o “enamoramento [do protestante] com Deus”. Faltou também o entendimento, registrado pelo sociólogo David Martin, de que o cristianismo evangélico na América Latina é principalmente “um movimento popular desde sua origem, com a forte participação dos pobres e socialmente excluídos”, … “pregada em linguagem simples com exemplos simples por pessoas simples para pessoas simples”.
Menos retórica, mais empatia e atitudes
Junto com essas considerações, registro a seguir alguns desafios para ampliar as possibilidades de diálogo entre políticos e evangélicos, para além da retórica e do marketing.
- Visitar igrejas, participar de cultos — Assim como o presidente Bolsonaro faz religiosamente (trocadinho não intencional), outros pré-candidatos podem visitar as igrejas — não as grandes, mas as modestas — , se mostrar para estes fieis, interagir com o povo crente, acompanhar os cultos. Eles não precisam se converter nem mudar suas convicções para demonstrar seu interesse e respeito por esses religiosos.
- Uma resposta à questão da violência — Bolsonaro se aproximou dos cristãos e foi abraçado por muitos crentes em 2018 por vários motivos, entre eles, por ter algo mais concreto a dizer sobre violência urbana, um problema que afeta mais quem mora nas periferias do que a população que vive dentro do que o jornalista Caco Barcellos chamou de “fronteira da cidadania”. O deputado Marcelo Freixo, o político de maior expressão nacional a debater hoje o papel da polícia, vem falando sobre o desafio da esquerda de apresentar soluções para esses temas — por exemplo, neste debate realizado pelo projeto República do Amanhã.
- Definir o significado de “evangélico progressista” — O político de esquerda que quiser evangélicos progressistas defendendo abordo e legalização da maconha vai interagir principalmente com evangélicos da classe média e com curso superior. O antropólogo da Unicamp Ronaldo de Carvalho argumenta, inclusive, que é o conservadorismo não distingue os evangélicos de católicos e espíritas. Mas se a definição de evangélico progressista representar a defesa da justiça social, a melhora dos serviços públicos de saúde e educação e o combate à corrupção, mais evangélicos se sentirão incluídos.
- Ministro do STF evangélico — Conforme escreveu a cientista política Amy Erica Smith, a população brasileira é mais conservadora em termos de valores do que os representantes do Estado. Por que os evangélicos, que são 1/3 dos brasileiros, não devem ter representação, por exemplo, no STF? Essa defesa pode ser encampada registrando que, em vez de buscar um nome “terrivelmente” evangélico, esse ministro pode ser “maravilhosamente” evangélico, um juiz identificado com valores de justiça social e com a defesa do estado laico.
- Atenção para as dissidências — Outro caminho para fortalecer vínculos com evangélicos é estabelecer diálogos com grupos evangélicos que vêm se manifestando de maneira crítica em relação ao governo federal. A Convenção Batista Baiana fez tomou a iniciativa de quebrar o silêncio dos evangélicos publicando uma carta crítica ao governo federal e na semana passada a Frente de Evangélicos pelo Estado de Direito, coordenada pelo pastor Ariovaldo Ramos, fez o mesmo gesto a partir da poderosa Assembleia De Deus.
- Reaproximar-se de Marina Silva — (Registro, para ser transparente com o leitor, que trabalhei como profissional de comunicação na campanha presidencial de Marina em 2010.) A principal líder evangélica progressista do Brasil, a seringueira e ex-ministra Marina Silva, hoje é tratada pela esquerda como “carta fora do baralho” pela performance fraca como candidata presidencial em2018. Mas Marina pode se tornar o coringa dessa eleição. Ela é amplamente conhecida pelos setores populares e também pelas camadas médias e altas, é respeitada como exemplo de conduta correta como política, é uma mulher preta, representa o tema do desenvolvimento sustentável — talvez a pauta global mais importante da atualidade — , e representa também uma evangélica devota que sempre defendeu o estado laico e manteve distância da bancada evangélica. Aproximar-se de Marina em uma eleição em que os evangélicos serão tão importantes pode marcar a diferença entre o ato motivado pela conveniência eleitoral e a demonstração legítima de interesse e respeito por esses brasileiros.